domingo, outubro 17, 2010

Livros

Comprei-o porque estava a um bom preço, pensando que era mais um daqueles livros com um diagnóstico sobre o choque de civilizações. Enganei-me. O problema surge como pano de fundo, claro, mas as três partes do livro são uma explicação, no campo da História das Ideias, da forma como o pensamento político de fundamentação teológica foi perdendo terreno no Ocidente. Hobbes não poderia deixar de aparecer. Transcrevo a paráfrase da sua explicação da origem da vida política:

A partir do momento em que os homens criam um deus, especialmente o Deus majestoso do monoteísmo, começam igualmente a temê-lo. Antevendo a lenda do golem e o Frankenstein de Mary Shelley, Hobbes sugere que os homens são perseguidos pelas suas próprias fantasias de dominar o destino natural. Ao seu temor pela natureza, acresce o temor de um deus caprichoso, sempre descontente porque nós nunca o servimos perfeitamente. Uma nova cultura de medo floresce para completar o temor da natureza, uma cultura na qual as pessoas têm visões estranhas e superstições ainda mais estranhas sobre como apaziguar Deus. Em vez de estudar a natureza para a dominar com as suas limitadas faculdades, os homens voltaram-se ingenuamente para aqueles que tinham pretensões de conjurar «coisas invisíveis». Ignorantes das verdadeiras causas, viraram-se para aqueles que tinham ambições de as controlar: xamãs, sacerdotes, fazedores de milagres. E, quando isto acontece, os homens já não se encontram no seio do reino da crença privada, mas na esfera pública da política. 

Mark Lilla. A Grande Separação. Religião, Política e o Ocidente Moderno. Gradiva, 2010.

(também aqui)

sábado, agosto 28, 2010

anyone's ghost


Say you stay at home
Alone with the flu
Find out from friends
That wasn't true
Go out at night with your headphones on, again
And walk through the Manhattan valleys of, the dead

Didn't want to be your ghost
Didn't want to be anyone's ghost
Didn't want to be your ghost
Didn't want to be anyone's ghost
But I don't want anybody else
I don't want anybody else

You said I came close
As anyone has come
To live underwater
For more than a month
You said it was not inside my heart, it was
You said it should tear a kid apart, it does

Didn't want to be your ghost
Didn't want to be anyone's ghost
Didn't want to be your ghost
Didn't want to be anyone's ghost
But I don't want anybody else
I don't want anybody else
I don't want anybody else
I don't want anybody else

I had a hole in the middle where the lightning went through it
Told my friends not to worry
I had a hole in the middle someone's sideshow wouldn't do it
I told my friends not to worry

Didn't want to be your ghost
Didn't want to be anyone's ghost
Didn't want to be your ghost
Didn't want to be anyone's ghost

terça-feira, julho 20, 2010

Próximas semanas: meditação

(aqui)

Infelizmente, não será para perceber que sou uma mulher livre, que não deve nada a ninguém e que faz tudo para mostrar a sua irreverência (estou a citar a revista Happy). É só porque tenho muitas leituras obrigatórias até Setembro.

Leituras obrigatórias

Eu tinha de ler um livro e não me apetecia mesmo nada. Falo de Fernando Pessoa ou a Metafísica das Sensações. Obrigatório, diziam-me. Ontem chegou o dia. Bom, o livro tem ideias importantes sobre Pessoa, com José Gil a mostrar que a profundidade dos poemas de Campos & C.ª releva de uma arte poética em que a poesia consiste numa espécie de ciência - a ciência que transforma sensações em 'sensações metafísicas'. Numa nota de rodapé, descobri que a ideia de que 'os portugueses têm medo de existir' já andava na cabeça do autor quando escreveu sobre Pessoa: «Este tipo de quotidiano [banal, o quotidiano de Campos, onde nasce a especulação filosófica] parece ser especificamente português. Talvez se devesse mostrar o modo como a vida média portuguesa leva à exaustão do sentido de cada coisa.».

Sobre as leituras filosóficas de Pessoa, e as tentativas de o associar a certas famílias (no caso do livro de José Gil, a influência de Deleuze é clara), eu continuo a pensar que quem tinha razão era um professor meu que dizia que o poeta teria preferido aparecer na capa de um álbum dos Beatles, o Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band.

segunda-feira, julho 19, 2010

Olhares


Quando eu disse que ainda não tinha visto o Casablanca, olharam-me como se eu estivesse a sofrer uma transformação física. Hoje eu percebo melhor esse olhar. 

quinta-feira, julho 01, 2010

Pontes e feriados

20 de Março
Em casa, em Lisboa. Não houve Curso - foi feriado, por ser ponte entre dois feriados.
(diário iniciado em Março de 1906)

Fernando Pessoa. Prosa Íntima e de Autoconhecimento

A psicanálise e a lógica

(eu) - Eu sinto-me bem.
(o meu psicanalista) - Repare: se se sentisse bem, não estaria a dizer que se sente bem.

(isto tem uma história)

terça-feira, junho 29, 2010

Doenças da natureza humana

Na série House surgiu no outro dia o caso de um homem excessivamente simpático. Ter simpatia a mais era um sintoma, a prova de que alguma coisa não estava bem. Não me lembro dos pormenores do diagnóstico mas sei que House conseguia demonstrar que o cérebro do paciente tinha sofrido alterações que justificavam uma personalidade demasiado amável. Os assistentes tentaram provar, usando o mesmo argumento, que a amargura de House também se devia a uma doença, e teve muita graça o modo como o médico tentou enganá-los. O episódio, mais uma vez, deu razão às ideias de House e ao seu cinismo, sempre evidente na luta contra a pieguice, contra a fé (que House definiria como um sintoma da infinita estupidez humana) e contra a crença na 'bondade intrínseca' do ser humano. No meio disto, há duas coisas que contribuem para a genialidade de House (o médico e a série), porque complicam um pouco a análise da personagem: a amizade com Wilson e as dúvidas sobre o sentido da vida (não estou certa de que, para House, a resolução de um caso não seja mais do que um jogo).

domingo, junho 20, 2010

Iguanas


"What are these iguanas doing on my coffee table?"

sexta-feira, junho 04, 2010

A pergunta do filme


Marty, how come you're anal and I gotta go to the psychiatrist?

sábado, maio 29, 2010

Epitáfio para um automóvel

Comprei um carro novo e entreguei o meu «para abate», como dizia o vendedor, cheio de simpatia. Hoje fui deixá-lo numa garagem escura. Ficou lá, num canto. Estava velhinho e soluçava muito. Tinha 16 anos. Muito estranho isto: a sensação de que estava a ter um comportamento moral, o meu afecto por uma máquina. Não chorei, por pouco.

E o sonho torna-se realidade: 8 horas de sardinhas


Setúbal a caminho do Guinness por causa das sardinhas (e do cheirinho na roupa, certamente).

sexta-feira, maio 28, 2010

Sem rede

Numa sociedade perfeita (que, como diz um poema de que gosto muito, é daquelas coisas que não há mas há – existem utopicamente, em pensamento ou ideia), o trabalho e a vida não se opõem. Num sistema demasiado imperfeito, o trabalho está mais perto da morte do que da vida. É nesse sistema que é possível que "uma empresa peça aos funcionários para assinarem documentos a garantir que não se vão suicidar". E quando nem os monges budistas podem ajudar, o melhor é colocar umas redes para travar as quedas.
(também aqui)

terça-feira, maio 25, 2010

A pergunta do filme

É isto que as pessoas fazem, não é?

segunda-feira, maio 24, 2010

O Zé

«És o maior, Zé»
(Jornal de Setúbal, 24.5.2010)

O Zé é o José Mourinho.

Reforço positivo

No ano em que sofri para ler coisas relacionadas com as ciências da educação, tive discussões interessantes com um professor de psicologia. As discussões começavam com as minhas objecções a uma tese que parte do princípio de que os meninos que se portam mal são meninos que não são reforçados positivamente. Lidar com um problema disciplinar passa por reforçar positivamente - era a ideia que o professor de psicologia da educação pretendia transmitir. E eu e os meus colegas lá fomos assistir a umas aulas para ver como é que esses meninos se comportavam "em" sala de aula. Hoje, com o meu primeiro ano numa escola quase a terminar, concordo mais com o que aprendi nas aulas de psicologia da educação, mas também confirmei que o princípio do reforço positivo não explica tudo. Ainda há pouco um colega me dizia uma coisa pertinente: é na altura em que se exige uma avaliação dos professores (que, evidentemente, é importante, mas não chega; há outros problemas - como o recrutamento e a credibilidade das instituições que formam - que não existem nas mentes de quem concebeu a avaliação), é nessa altura que eles, os professores, estão a fazer aquilo que, à partida, não compete a um professor. Coisas simples, como conseguir que um aluno se sente, ou mais complicadas, como pedir-lhe que largue o pescoço do colega porque essa não é a melhor maneira de pôr termo a uma discussão. Por exemplo.

sábado, maio 01, 2010

O poder de Emerson

Vários leitores de Ralph Emerson sublinharam o seu poder de conversão, o poder de tornar evidente uma afirmação que contém uma filosofia de vida. Harold Bloom fala disto num livro extraordinário chamado Onde está a sabedoria? Quando estava a ler os ensaios de Emerson publicados em A Confiança em Si, A Natureza e outros ensaios, lembrei-me desse "poder". O primeiro ensaio, "A Confiança em Si", faz pensar numa literatura de auto-ajuda (Bloom fala em "autocura"), com Emerson a afirmar, no final do texto, que somos nós próprios que construímos a nossa paz . Emerson defende que o nosso valor reside na nossa singularidade («A minha vida existe por si mesma, não para um espectáculo») e na capacidade de exprimir essa singularidade em ideias. Ser homem, ser humano, implica um afastamento da sociedade e dos grupos: «ser grande é ser incompreendido», ou saber «existir através da História».
(também aqui)

sábado, abril 10, 2010

Muito, muito bom


Beautifully wrong

Ouvi ontem no rádio uma música com estes versos: when you're young / you're beautifully wrong. Não sei o nome do grupo nem o nome da música. Só sei que gosto muito dos dois versos.

sexta-feira, abril 09, 2010

Duas ou três coisas sobre o "2666"

Hans Reiter disse que não sabia qual era a diferença entre um bom livro divução (divulgação) e um bom livro liário (literário). Haldes explicou-lhe que a diferença consistia na beleza, na beleza da história que se contava e na beleza das palavras com que se contava essa história. (p. 754)

A história de 2666 faz pensar que estamos perante um livro que 'tem dentro toda a humanidade', como se Roberto Bolaño tivesse pretendido captar muito mais do que «duas ou três coisas da vida» (p. 222). As referências à literatura enquanto reflexão sobre o humano, sobre aquilo que configura o humano, aparecem ao longo das mais de 1000 páginas (a edição que tenho é a da Quetzal/Fnac), sugerindo-se em vários momentos que essa reflexão está sempre em jogo na literatura porque é aqui, nesta «floresta» (p. 901), que o sentido se perde e nós podemos contemplar a beleza e a monstruosidade («Eu também acredito na bondade intrínseca do ser humano, mas isso não significa nada», p. 900). A imagem da floresta permite também descrever a obra, se pensarmos que no livro de Bolaño há muitos caminhos, tendo cada personagem uma história, uma vida que daria um outro romance.
Na última parte, Bolaño narra a vida de um escritor. É belíssima a forma como descreve a percepção especial de Hans Reiter, que, em pequeno, caminhava «pela superfície da terra como um mergulhador novato no fundo do mar» (p. 734). Na infância, Reiter era um menino singular que mergulhava de olhos abertos, um gigante à procura da sua linguagem, um gigante que dizia "liário" em vez de "literário". Descrições como esta confirmam a ideia de que 'toda a poesia pode estar contida num romance' (p. 889). O menino-alga é de facto a imagem justa de quem vê o mundo de outra perspectiva, como se estivesse do outro lado, e o mar fosse, afinal, a morte: «Comentei com ele que trabalhar na morgue levá-lo-ia sem dúvida a reflexões atinadas ou pelo menos originais acerca do destino humano. [...] Insisti. Aquele enquadramento, disse eu alargando os braços e abarcando toda a morgue, era de certa maneira o lugar ideal para pensar na brevidade da vida, em como é insondável o destino dos homens, na futilidade dos empenhos mundanos» (p. 906).