Numa fantástica entrevista, na Ler de Novembro, Miguel Esteves Cardoso fala
- dos livros de Saramago;
(«Acho os livros dele mal escritos. Mal escritos no sentido de serem convencidos da sua própria grandeza, da importância do que ele diz. É uma espécie de declaração ao mundo. Não uma história. Não um romance. A importância dos livros só se verifica muito tempo depois. Não é uma coisa instantânea. Não é uma questão de declarar ao mundo as minhas ideias. Isso fazem os filósofos e outras pessoas assim. Os romancistas são contadores de histórias.»)
- da relação entre a ética do escritor e a escrita;
(«Se tirarmos os filhos da puta da literatura e da pintura ficamos com nada. Se se tirarem os bêbados fica-se com zero. Se deixarmos só os livros feitos por pessoas que se portavam bem, tratavam bem a mulher, que eram bons amigos e pagavam as contas a tempo, ficamos só com merda. O único autor que foi boa pessoa e ao mesmo tempo um génio é capaz de ser, sei lá, o Beckett.»)
- dos 'escritores boa onda';
(«O Cardoso Pires era boa onda, um gajo porreiro e um grande escritor. O que ele escanhoou e limpou a lingua! Eu gosto dos que lavam a língua. Há escritores que fazem isso. Despojam-na daquele excesso de ornamentação, de adjectivos, de descrições, de mobília, do raio que o parta.»)
- da poesia (i.e., da literatura) portuguesa;
(«Os grandes escritores são todos poetas. A não ser a Agustina».
«Tu lês o Mário Cesariny ou o Herberto Helder ou o João Miguel ou o Joaquim Manuel Magalhães e ficas... O António Franco Alexandre. O Ruy Cinatti. É uma coisa devastadora. Portanto, o problema está resolvido. Pessoa. Camões. Quer dizer, o problema da nossa literatura está resolvido. Não é preciso inventá-la ou reinventá-la. Está escrita.»)
E de outras coisas, claro.