domingo, setembro 21, 2008

Lunchtime

Lunch atop a Skyscraper, Charles C. Ebbets (1932)

segunda-feira, setembro 15, 2008

Sangue Sábio


O romance Wise Blood (1949), de Flannery O'Connor, apresenta a história de um pregador - Hazel Motes - que, rejeitando a ideia de uma verdade subjacente a todas as verdades, pretende negar a fé na Igreja de Cristo. Motes procura, em última análise, estabelecer uma diferença entre Cristo e a Verdade (o que significa colocar na negativa João 14.6). A verdade absoluta, dirá Motes pregando a doutrina da 'nova Igreja sem Cristo', é que não há alma e não há consciência; além disso, a nova Igreja não concebe a possibilidade do milagre ('os cegos não poderão ver, os coxos não andarão e aquele que morre não volta a viver'). No entanto (e paradoxalmente), o sentido das acções de Hanzel Motes parece consistir em provar que o falso cego Asa Hawks não se enganou quando sugeriu que a fé é um facto. Saber isto significa, para Motes, perceber que o conhecimento da verdade se revela na integridade.

sábado, setembro 13, 2008

The Portrait of a Lady



Áreas disciplinares como a "narratologia" («a ciência que procura formular a teoria dos textos narrativos na sua narratividade»; cf. M. Bal. Narratologie, 1977) talvez não existissem se os estudos literários partissem da tese de que usamos as mesmas palavras e as mesmas proposições para nos referirmos a personagens e a pessoas - i.e. para procedermos à sua caracterização e descrevermos as suas vidas.

Um dos traços mais interessantes da história da americana Isabel Archer prende-se com o facto de H. James explorar a ideia de que as melhores descrições de cada personagem, das suas acções e do seu destino são fornecidas por outros livros, por outros textos literários. Na verdade, é possível ler o romance como a história de uma mudança na forma de entender a relação entre os livros (a arte) e a vida. Note-se: se Isabel era muito dada a leituras antes da sua chegada a Inglaterra, procurando desse modo saciar a curiosidade e aprender algo sobre a vida (é-nos dito que ela procurava perceber até que ponto as 'descrições livrescas' condiziam com a realidade que encontrara no velho continente), no final da história (quando sabe que o seu projecto de vida falhou) o que caracteriza o seu estado de espírito ao regressar à biblioteca de Gardencourt é, pelo contrário, a 'pouquíssima atracção para os romances'. Há, a meu ver, dois modos possíveis de interpretar esta mudança: 1) Isabel percebe que os livros nada têm a ensinar sobre a vida (o mesmo é dizer que não vale a pena tentar perceber se a vida a e a literatura condizem); 2) Isabel percebe com dor a proximidade entre os livros e a vida (percebe, por exemplo, que 'comédia' e 'tragédia' não são "apenas" categorias literárias, ou, como nós é dito no cap. XLIX, que o epíteto 'perversa' se aplica tanto a personagens histórias como a pessoas). Esta segunda interpretação parece-me a mais justa por várias razões, mas sobretudo porque condiz com a reflexão sobre a arte do romance que acompanha todo o texto (ou - o que é o mesmo - a vida de Isabel). Não é por acaso que Ralph Touchett deixa a sua biblioteca a Miss Stackpole, a melhor amiga de Isabel que viera até à Europa em busca de matéria-prima para os seus artigos, ou seja, procurando, como um romancista, conhecer de perto a vida das pessoas. E é também nas considerações de Ralph que a auto-reflexividade do romance se exibe melhor: Ralph sobrevive até ao final do romance por curiosidade. Sobrevive porque quer saber o que Isabel Archer fará com a sua vida; quer, em suma, apreciar o retrato.

Cómico e Seriedade

«Todos os romances cómicos que valem alguma coisa são sobre assuntos de vida e morte.»
Flannery O'Connor

quinta-feira, setembro 11, 2008

Verdade e Bondade

«A maior parte daquilo que passa por discussão da "verdade" nos livros de filosofia é, de facto, relativo à justificação, tal como a maior parte daquilo que passa por discussão da "bondade" é relativo ao prazer e à dor.»
Rorty procurando responder ao argumento de Putnam (de Mind, Language and Reality) contra a intepretação de "verdade" como significando uma noção relativa a uma linguagem, a uma teoria ou a um 'conceptual scheme'.
(é no capítulo 6 de Philosophy and the Mirror of Nature)

quarta-feira, setembro 10, 2008

A Arte e a Vigília (um excerto de Nietzsche)

«Esse impulso para a formação de metáforas, esse impulso básico do homem que não se pode esquecer nunca porque com isso se abstrairia do próprio homem, não está de forma alguma dominado e só até certo ponto refreado pelo facto de se construir para ele um mundo novo, regular e rígido a partir dos seus produtos evanescentes, os conceitos, como se de uma fortaleza de tratasse. Ele procura uma outra área do seu agir, outro leito do rio, e encontra-o no mito e principalmente na arte. Não pára de confundir as classes e células dos conceitos ao propor novas transposições, metáforas e metonímias, ao mostrar constantemente o desejo de configurar o mundo já existente do homem desperto de modo tão colorido, desconexo e inconsequente, aliciante e sempre novo, tal como o é o mundo dos sonhos. No fundo, o homem vígil só tem a certeza de estar desperto devido à teia dos conceitos sólida e regular, e precisamente por isso cai às vezes na crença de que está a sonhar quando esta teia de conceitos é ocasionalmente rasgada pela arte.»
F. Nietzsche. "Acerca da Verdade e da Mentira no Sentido Extramoral" (Obras Completas de F. Nietzsche, Vol. I, Lisboa, Relógio d'Água, 1997. O ensaio de Nietzsche é de 1873 e foi traduzido por Helga Hoock Quadrado).

terça-feira, setembro 09, 2008

O cómico antitrágico de Machado de Assis

«O cómico é essa recusa [i.e. a recusa da consolação da inteligibilidade]: além de antimoderno, o cómico machadiano é antitrágico, no preciso sentido em que denuncia a presunção persistente de que o modelo trágico é o modelo adequado à inteligibilidade da vida e do mundo. A recusa do trágico é rigorosamente antimoderna - quer dizer, modernamente antimoderna - porque conduzida à opção pelo cómico: o tédio e a melancolia, o desconcerto e o absurdo, são e não podem ser senão matéria de comédia, e comédia filosófica, porque são e não podem ser senão matéria da inquirição filosófica que desfigura a face eufórica e providencialista dum mundo ordenado para o progresso.»
Abel Barros Baptista. "Mas este capítulo não é sério..."
(Revista Ler, n.º 72, Setembro 2008)

Os Poderes Filosóficos de W. Quine