All epistemology begins in fear - fear that the world is too labyrinthine
to be threaded by reason; fear that the senses are too feeble and the
intellect too frail; fear that memory fades, even between adjacent steps of a
mathematical demonstration; fear that authority and convention blind;
fear that God may keep secrets or demons deceive.
Objectivity, p. 372
Objectivity, de Lorraine Daston e Peter Galison, é uma obra brilhante («it is a rare thing, a great book», nas palavras do filósofo Hilary Putnam). A tese principal defendida nesta obra é a de que a tendência para estabelecer uma relação de sinonímia entre as palavras "científico" e "objectivo" resulta da emergência, no século XIX, de uma nova "virtude epistémica". Com efeito, Objectivity pretende 'contar a história de uma ideia' - a de objectividade - e consegue fazê-lo sem forçar o particular a ajustar-se à teoria, ou seja, é a referência aos casos concretos, revelando uma investigação aturada, que determina a constituição da narrativa. Como se sugere num dos capítulos, as "ideias" constituem modos de descrever práticas humanas (no caso, práticas relacionadas com modos de "ver" imagens, com "epistemologias do olho"); não são paradigmas, metafísicos, de interpretação. Bem entendido, há também um objectivo revisionista na investigação desenvolvida: um objectivo que se prende com a necessidade de estabelecer a diferença entre história da epistemologia, ou história da ciência, e história da objectividade.
A objectividade, segundo Daston e Galison, passa a definir a ciência na segunda metade do século XIX. Significando a possibilidade de "ver" imagens sem interpretação, sem inferências ou teoria, a objectividade tinha associada uma nova imagem do homem da ciência: o cientista era aquele que controlava a sua vontade, algo necessário para evitar 'contaminar' os dados da natureza, i.e., 'minimizar a intervenção humana'. Ao mesmo tempo, o conceito de Arte que começa a ser delineado coloca o artista no pólo oposto, como representante da "subjectividade". A prová-lo estão os textos de Baudelaire sobre a carácter não-artístico da fotografia (cf. texto sobre o "Salon de 1859"), citados na secção "Photography as science and art" (pp. 125-138).
Antes de uma concepção da ciência e do cientista alicerçada na negação, quase ascética, da interferência do elemento humano, a construção do conhecimento científico supunha, no século XVIII, um ideal de "fidelidade à natureza" e o desejo de encontrar o "tipo" subjacente a um conjunto de particulares (o que exigia uma percepção especial, próxima do "génio"). Depois, como reacção à reprodução mecanizada - objectiva - de imagens do mundo, que se constituíra como resposta nominalista à tendência dos "fiéis à natureza", o século XX volta a reintroduzir a consciência do valor do olho treinado, ou seja, do conhecimento do cientista na interpretação de qualquer imagem.
O livro termina com um conjunto de considerações onde se defende que, no momento actual, as actividades do cientista, do engenheiro e do artista estão muito próximas, sendo a produção de imagens entendida cada vez mais como uma ferramenta manipulável.
Lorraine Daston & Peter Galison. Objectivity. New York: Zone Books, 2007.