quarta-feira, janeiro 28, 2009

Espirituosos e afins




«Ordinariamente, chamam-se, à francesa - espirituosos -, uns sujeitos dotados de génio motejador, aplaudidos com a gargalhada, e aborrecidos àqueles mesmos que os aplaudem. São os caricaturistas da graciosidade.
O «espirituoso», à moderna, abrange os variados ofícios que, antes da nacionalização daquele estrangeirismo, pertenciam parcialmente aos seguintes personagens, uns de casa, outros importados:
Chocarreiro - trejeiteador - arlequim -palhaço - proxinela - polichinela - maninelo - truão - jogral - goliardo - histrião - farsista - farsola - vejete - bobo - pierrot - momo - bufão - folião, etc.
Esta riqueza de sinonímia denota que o bobo medieval bracejou na Península Ibérica vergônteas e enxertias em tanta cópia que foi preciso dar nome às espécies.
Ora, o "espirituoso" tem de todas. A antiga jogralidade, que era mester vil, acendrada nos secretos crisóis do progresso social, chegou a nós afidalgada em "espírito", e com o foro maior de faculdade poderosa, cáustica, implacável.
Ainda assim o estreme espírito português, por mais que o afiem e agucem, é sempre rombo e lerdo: não se emancipa da velha escola das farças: é chalaça


Camilo Castelo Branco. "Gracejos que Matam", Novelas do Minho, vol. I., Porto: Lello & Irmão, 1980.