quinta-feira, março 26, 2009

'The Unbearable Lightness of Being'


The Unbearable Lightness of Being é um filme de 1988 baseado no romance que Milan Kundera publicou em 1984. Sendo a obra de Kundera um romance escrito como uma «partitura musical» (Joana Varela, no posfácio da edição da Dom Quixote, 24.ª ed., p. 362), e um romance onde as digressões filosóficas funcionam como chaves para a interpretação, o filme realizado por Philip Kaufman teve, à partida, um desafio: contar a história sem que se sentisse a ausência de tais digressões, sem que se notasse a ausência do texto literário. Há no romance de Kundera, é certo, uma densidade poética e filosófica que coloca dificuldades a uma tradução para a forma visual, cinematográfica. É o caso da questão do kitsch (e da inevitabilidade do kitsch nas relações humanas), uma questão que, no filme, é formulada numa frase proferida por Sabina, a mulher do chapéu, embora ocupe um espaço significativo nas reflexões do romance; reflexões ou desvios à narrativa em que a problematização filosófica e a caracterização psicológica das personagens - filosofia e psicologia - se confundem.

Parece-me, no entanto, que o filme consegue mostrar a intensidade poética e o alcance filosófico e moral daquilo que é vivido pelas personagens, tornando pouco provável que sintamos uma desproporção entre o que cada personagem faz e a sua 'filosofia de vida', i.e., o conjunto de ideias sobre o sentido da vida, que só em certos momentos são explicitamente formuladas (eg. na carta em que Tereza explica as razões que a levam a regressar a Praga depois de 1968, a regressar ao 'país dos fracos'). Dito de outro modo, o filme consegue, a meu ver, impedir que as personagens se assemelhem a 'bonecos' exemplificando as concepções filosóficas e morais que determinam o tom do romance. Há dois momentos em que isso me parece particularmente bem conseguido. O primeiro é o momento em que Tereza (Juliette Binoche) fotografa Sabina (Lena Olin). As lágrimas que correm no momento em que as fotografias são tiradas - ou seja, quando Tereza vai vendo, através da (ou protegida pela) máquina fotográfica, o corpo que o marido, Tomas (Daniel Day-Lewis), deseja - mostram o sofrimento que nasce da consciência da impossibilidade de conceber uma vida 'leve', uma vida cujo sentido não dependa da ligação total a uma pessoa. Ou uma vida em que sexo e amor não signifiquem o mesmo. A agressividade com que tira cada fotografia é, na verdade, a violência que Tereza aplica a si mesma, para se castigar por aquilo a que chama 'fraqueza'; fotografar o corpo de Sabina é, neste sentido, uma provação semelhante a dormir com um desconhecido. Por outro lado, as lágrimas de Sabina e o olhar apavorado que acompanha essas lágrimas no momento em que Franz (Derek de Lint) lhe propõe, como forma de vida autêntica ('a life with no more lies'), uma vida a dois, mostram exactamente o oposto: são uma reacção que traduz a impossibilidade - ou o medo - de aceitar um vínculo, ou de aceitar que a felicidade exige decisões que nos prendam às pessoas.