terça-feira, julho 14, 2009

Pessoas sem memória

Chorei sempre com o filme Eternal Sunshine of the Spotless Mind. Vi-o três vezes: no cinema, na televisão (passou recentemente) e em DVD. Hoje, falo dele como sendo um dos filmes da minha vida; tive até uma discussão interessante com uma pessoa que o considera 'inferior' ao Lost in Translation (espero não chocar ninguém com isto, mas não consigo ver no filme de Sofia Coppola uma obra transcendente).


O Eternal Sunshine... parte da ideia de que seríamos pessoas mais felizes se pudéssemos apagar certas memórias. Há uma empresa - de nome "Lacuna" - que faz o trabalho, começando por reunir todos os objectos que ligam o cliente à pessoa que ele deseja apagar. O trabalho parece simples: começa pela identificação de reacções àqueles objectos e pela elaboração de um mapa do cérebro. Mas é um trabalho sujeito a falhas. Na verdade, a analogia entre memória e impressão não funciona no argumento do filme, e é por esta razão que o cliente, Joel Barish (Jim Carrey), pode tentar esconder Clementine (Kate Winslet), ligando-a a uma narrativa de vida que começa na infância. Fugir com Clementine, e sair do mapa que a empresa "Lacuna" desenhou, é a forma de assegurar aquela ligação.


Quando revi o filme, fiquei a pensar na cena em que Joel descobre que foi apagado da memória de Clementine. Esta cena e aquela em que os dois ouvem as gravações que justificaram o procedimento de eliminação da memória são profundamente belas e tristes, de tão verdadeiras. Dizer a uma pessoa que gostaríamos de apagá-la da nossa memória não é exactamente ofender ou magoar. Na verdade, é até uma forma bastante clara de dizer que essa pessoa nos marcou definitivamente, a ponto de não nos deixar seguir com a vida, como se tivesse deixado a nossa existência em pausa. Mas a descoberta de que foi apagado suscita em Joel um desespero absoluto, próximo da loucura. Trata-se, a meu ver, de uma reacção verosímil - corrijo: a única reacção verosímil - à possibilidade de a sua história de vida se ter transformado numa narrativa que não pode partilhar, da qual só ele tem conhecimento, e que deixou de estar articulada com a narrativa de outra pessoa.