sexta-feira, setembro 18, 2009

Amigo e admirador...

Ó Manuel!

A Teixeira de Pascoaes
(Lisboa, 5 de Janeiro de 1914)
[...]
Não que eu julgue O Doido e a Morte uma das suas obras melhores. Mas tem, como tudo quanto o meu Amigo escreve, um sabor espiritual a Eterno. Naquelas páginas álgidas, onde o Mistério esfriou em medalha, tendo de um lado a Loucura e do outro a Morte, Deus é presente na sua nocturna forma de Pavor e Silêncio. A sombra de uma esfinge ao luar - eis o que é para mim esse seu poema. Bem sei que isto é pouco lúcido, mas o meu espírito está bambo e desfiado e já não suporta o peso de um raiocínio e de uma análise. Digo-lhe tudo por imagens e metáforas, e estas são a moeda falsa da inteligência.
Tenho seguido com atenção o que o meu amigo tem escrito. Há páginas das Elegias em que a Dor é quase divina. E há períodos do Verbo Escuro que são estatuetas do Mistério, encontradas em túmulos de reis que, num outrora impossível, falaram talvez com Deus.
Releve-me que me aproveite de lhe estar escrevendo sobre outro e tão diverso assunto para enfim lhe agradecer O Doido e a Morte e lhe falar do que tem escrito. Se não lhe falasse disso agora, quem sabe quando lho diria? Passo a vida a adiar tudo - e para quando?
Ao menos ganho com isso o ser Simbólico. O que é cada um de nós, na sua essência absoluta e divina, senão uma Perfeição adiada para Deus?
Abraça-o comovidamente o seu sincero amigo e eterno admirador

Fernando Pessôa...

Fernando Pessoa. Correspondência (1905-1922). Assírio & Alvim, 1999, pp. 106-107.