No liceu tive um colega que se chamava Pedro. O Pedro era anarquista e lia muitos livros. Infelizmente, a nossa relação ficou marcada por algumas discussões. Foram grandes discussões na aula de História, sempre que comentávamos as notícias mais importantes da semana (a professora usava as notícias actuais para falar do passado; dizia, com toda a razão, que é preciso saber estabelecer relações e perceber como as coisas têm a ver umas com as outras). Na verdade, foi nas discussões com o Pedro que fiquei a saber que simpatizo muito pouco com posições radicais. E quando ele apresentou um trabalho sobre Rousseau, eu estive para arrancar cabelos. O Pedro, se pudesse, mandava apagar Hobbes da História.
Apesar de defender posições que eram, do meu ponto de vista, irrealistas, o Pedro procurou traduzir o seu pensamento num modo de vida. Os pais, professores, tiveram um grande desgosto quando o rapaz, no final do liceu, saiu de casa e foi viver com algumas pessoas num regime que pretendia ser uma imitação do estado de anarquia, segundo o próprio explicou a outros colegas. Penso que chegou a pertencer ao movimento dos «Ocupas». Depois, saiu do país e andou a trabalhar para a revolução, como diz um amigo meu que também o conhecia. Andou a viajar pela América do Sul e chegou a ser preso em Espanha. Nunca mais soube nada dele, desde a história da prisão.
Mas eu lembrei-me do Pedro a propósito de quê? Lembrei-me porque o Expresso, ouvi ontem na Sic, traz hoje umas notícias sobre pessoas do Bloco de Esquerda que têm acções em algumas empresas. Não me espanta, nem eu tenciono atirar nenhuma pedra. Se me é permitida esta ingerência num meio de comunicação social, correndo o risco, é certo, de aumentar a nossa "asfixia", eu diria que aquilo que o Expresso publica (vou agora ali comprar o número) não é a notícia: quem merecia ser capa era o Pedro. O resto é tudo normal.