Não compro a revista Ler há algum tempo. Não há nenhuma razão especial que explique isso; simplesmente, dei por mim, um dia, a pensar "olha, este mês não comprei a Ler". Desde então, limito-me a folheá-la numa livraria ou num quiosque. Por ter deixado de comprar a revista, só este fim-de-semana li o artigo de Francisco Belard sobre Manuel Medeiros. O artigo saiu na edição de Janeiro e é sobre o livreiro da Culsete, uma livraria de Setúbal. O Sr. Medeiros (é assim que o trato) - conhecido, literariamente, por Resendes Ventura (publicou, em 2009, Papel a Mais) - recebeu-me em 2000, nas minhas férias da faculdade. Trabalhei com ele dois meses, tempo suficiente para perceber que tinha à minha frente um profundo conhecedor de livros. Lembro-me de algumas pessoas que entravam na livraria à procura de um livro; podiam não saber sequer o nome do autor, mas bastavam cinco ou seis palavras e o Sr. Medeiros aparecia com o livro. É um grande livreiro, e, acima de tudo, um leitor, um conhecedor dos grandes livros, aqueles que, como diria Emerson («Leio em busca de cintilações»...), dizem sobre nós aquilo que nós não conseguimos dizer.
Aprendi muito com o Sr. Medeiros, mas a memória mais feliz que guardo dos meus tempos na Culsete tem a ver com cigarros. Contra as indicações do médico, que a família queria que seguisse, o Sr. Medeiros continuava a não recusar o prazer de um cigarro. Por isso, sempre que me dizia para ir comprar o Público ao quiosque, pedia-me que levasse, escondido no jornal, um maço de cigarros. A forma como fazia este pedido obrigava-me a responder com um sorriso: falava muito baixinho e piscava-me o olho.
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