Uma boa maneira de descrever algumas das coisas que
fazemos às coisas seria dizer que, em todo o mundo, grupos
diferentes de pessoas se reúnem à volta de muitos bocados desse
mundo, atribuindo-lhe intenções, disposições e até linguagens.
Miguel Tamen, Amigos de Objectos Interpretáveis
O livro Amigos de Objectos Interpretáveis é percorrido por uma teoria sobre a interpretação. Na introdução, onde é apresentada uma síntese clara do argumento, Miguel Tamen enumera três teses que o leitor irá encontrar: uma tese sobre a linguagem e sobre o seu uso numa ‘sociedade de amigos’; uma tese que rejeita a existência de objectos possuidores de algo como uma “essência interpretável”; e uma tese sobre pessoas responsáveis pela existência de objectos interpretáveis. Uma teoria da amizade une estas teses, uma vez que se acredita ser o acto interpretativo uma prática de sociedades de amigos (i.e., esta teoria supõe que o acto de interpretar coisas como poemas ou pinturas pode ser análogo ao de fazer amigos). A referência a Aristóteles não fica implícita, e Tamen acrescenta a esta referência dois aspectos: primeiro, a amizade é sintoma de consenso, ideia que surge no início da dissertação aristotélica sobre a amizade nas várias Éticas (para Tamen, sociedades de amigos de determinados objectos caracterizam-se pelo consenso relativamente ao modo de lidar com esses objectos); segundo, é possível falar de amizade sem reciprocidade no sentido aristotélico (i.e., algumas sociedades de amigos limitam-se a ‘fazer falar’ certos objectos).
Título original: Friends of Interpretable Objects (2001). Tradução portuguesa de David Neves Antunes (Lisboa: Assírio & Alvim, 2003).