quarta-feira, fevereiro 04, 2009

"Doidinhos pela economia!": Eça no seu melhor

II
Maio 1871

Há em Portugal quatro partidos: o partido histórico, o regenerador, o reformista, e o constituinte. Há ainda outros, mas anónimos, conhecidos apenas de algumas famílias. Os quatro partidos oficiais, com jornal e porta para rua, vivem num perpétuo antagonismo, irreconciliáveis, latindo ardentemente uns contra os outros, de dentro dos seus artigos de fundo. Tem-se tentado uma pacificação, uma união. Impossível! Eles só possuem de comum a lama do Chiado que todos pisam e a Arcada que a todos cobre. Quais são as irritadas divergências de princípios que os separam? - Vejamos.
O partido regenerador é constitucional, monárquico, intimamente monárquico, e lembra nos seus jornais a necessidade da economia.
O partido histórico é constitucional, monárquico, imensamente monárquico, e prova irrefutavelmente a urgência da economia.
O partido constituinte é constitucional, monárquico, e dá subida atenção à economia.
O partido reformista é monárquico, é constitucional, e doidinho pela economia!
Todos quatro são católicos,
Todos quatro são centralizadores,
Todos quatro têm o mesmo afecto à ordem,
Todos quatro querem o progresso, e citam a Bélgica,
Todos quatro estimam a liberdade.
Quais são então as desinteligências! - Profundas! Assim, por exemplo, a ideia de liberdade entendem-na de diversos modos.
O partido histórico diz gravemente que é necessário respeitar as Liberdades Públicas. O partido regenerador nega, nega, numa divergência resoluta, provando com abundância de argumentos que o que se deve respeitar são - as Públicas Liberdades.
A conflagração é manifesta!
[...]
Eça de Queiroz. Uma Campanha Alegre, de "As Farpas".
Lisboa: Livros do Brasil, 2000, pp. 31-32.