O vírus da influência
A "directiva" que desejava proibir espaços de opinião aos candidatos às eleições legislativas e autárquicas, ideia tão insólita quanto a Entidade Reguladora (ERC) sua autora felizmente desrespeitada por quase todos os media, não nasceu no vazio.
Candidatos ou não, há de facto por aí uma quantidade notável de sujeitos que comentam na imprensa apenas para promover um partido ou, o que é ainda mais comum, o posto deles dentro de um partido. O eufemismo para isto é "influência". Em Portugal, há quem meça o mérito de um comentador pela "influência", ou seja, pelo número, necessariamente hipotético, de eleitores ou militantes de "base" que arregimenta para a sua causa. É por isso que se tende a preferir o termo opinion maker a columnist: o objectivo de muitos dos que emitem desabafos nos jornais ou nas televisões é mesmo fazer opinião, no curioso sentido de ensinarem ao seu público o que pensar. Fazer cabeças seria a expressão exacta.
Naturalmente, acha-se o propósito natural, como não se acharia natural que um romancista escrevesse para converter leitores à IURD e fosse exclusivamente avaliado sob esse critério. Embora a crónica jornalística não possa aspirar à dignidade do romance, era escusado rebaixá-la ao nível do sermão ou, nos caso irremediáveis, da solicitação do dízimo.
Resta saber se alguém paga o dízimo, ou, traduzindo, se a doutrinação resulta. Tenho dúvidas. Se não me engano, o leitor médio procura numa crónica motivos para se irritar ou divertir. Em ambos os casos, quer entreter-se durante cinco minutos, findos os quais vai à sua vida e não volta a lembrar-se do que leu. Excepto se se tratar de uma crónica doutrinária: aí, lembra-se de que não se entreteve nem um bocadinho.
Tamanha maçada acontece porque, do alto da sua pompa, os comentadores "influentes" partem de um princípio partilhado pela ERC: o de que o leitor médio é tonto e engole o que lhe servirem. Provavelmente, julgam-se lidos pelos sujeitos das reportagens da Liga dos Últimos ou pelos entrevistados de Os Contemporâneos. Vaidade deles. Eu, pelo contrário, imagino os meus textinhos frequentados por criaturas equilibradas e com maiores desígnios na vida que o de me dar importância. Não é falsa modéstia, é modéstia autêntica e pavor do ridículo, atributo que alguns dos meus colegas de ofício não demonstram conhecer. Ao contrário da ERC, estão no direito deles.
Alberto Gonçalves na Sábado desta semana (n.º 277)