Na palavras que disse no dia 18, e que muita celeuma causaram, Manuela Ferreira Leite deixou implícita a tese de que é difícil fazer reformas em democracia. Penso que este é o ponto mais importante daquilo que disse. Em traços gerais, houve dois tipos de reacções à tese. O primeiro tentou escamotear o ponto sério, centrando-se em questões de retórica e estilística e dando assim origem a debates que tiveram, verdade seja dita, alguma piada. (O problema que encontro nestas discussões é o facto de se assumir que as discussões sobre palavras valem a pena porque a política é, essencialmente, uma arte de palavras.) O segundo tipo de reacção baseou-se na ideia de que aquela tese revela, muito simplesmente, a simpatia por um modelo político autoritário. De qualquer modo, do meu ponto de vista, podemos (1) considerar que a tese é defensável sem cairmos em autoritarismos, ou seja, podemos afirmar que é difícil fazer reformas em democracia querendo com isso dizer que a essência do “voto democrático” é a possibilidade de escolher caminhos de governação alternativos, ou (2) pensar que a tese só é defensável por pessoas que advogam um regime autoritário alicerçado na ideia, antiga (veja-se o argumento dos livros V e VI da República), de que há seres especiais, iluminados, que detêm um tipo de conhecimento superior ao da grande maioria das pessoas. Sendo possível admitir a primeira destas interpretações, aquilo que importaria saber não é o “grau de ironia” com que MFL disse o que disse, mas antes se as suas palavras comportam um lamento sobre as imperfeições inerentes ao sistema democrático. Não vale a pena citar Churchill, mas parece-me que, a existir esta lamentação, é como se as duas interpretações se fundissem e estivéssemos perante uma ideia sobre a perfeição do modelo político que releva da apologia de um consenso absoluto e inalterável.
Há 3 anos