sábado, fevereiro 28, 2009

Sobre "Os filhos da meia-noite"


Na Ler de Fevereiro, Rogério Casanova assina uma “Breve Introdução à Teoria da Literatura” (Ler, n.º 77, pp. 12-12). O texto consiste numa síntese das tendências da Teoria da Literatura desde o formalismo russo, apostado em explicar como pode um conjunto de palavras causar certos efeitos, ao pós-colonialismo. A respeito desta última tendência, o humor de Casanova deita por terra certos argumentos que, em última instância, pretendem fazer da leitura literária uma forma de pedir desculpa pelo passado – colonial – do Ocidente. Lembrei-me desta "introdução" quando percebi, lendo algumas recensões, que a um livro como Os filhos da meia-noite, de Sulman Rushdie, é aplicado o rótulo “literatura pós-colonial”. Bom, depois de ter lido o romance de Rushdie, parece-me que se trata de um texto que permite questionar uma definição de literatura pós-colonial exclusivamente centrada no alcance histórico-político de uma obra. É certo que a vida de Saleem Sinai, aquele que nasce quando nasce a Índia (em 1947), está ligada "literalmente" e por “metáfora” (uma ideia que é repetida em várias passagens) aos acontecimentos políticos do país. Mas é importante notar que, depois de ter perdido todas as referências ao passado, referências representadas, metonimicamente, por uma escarradeira, Saleem percebe que a causa do seu mal – a causa da “injustiça” que descobriu na selva – é o significado político da sua existência, o facto de a sua vida ser um espelho da vida de um país, o que também explica a “doença do optimismo” de que sofre. A maldição (e o privilégio) de Saleem – penso que o texto autoriza esta interpretação – é, no fundo, a maldição (e o privilégio) de uma literatura que não pode contornar a História mas precisa, ao mesmo tempo, de libertar-se dessa História.