sexta-feira, outubro 31, 2008

O 'danoso ofício dos poetas', por A. M. Pires Cabral



Agora que a Ler de Novembro não deve demorar a chegar às bancas, vale a pena destacar, sob a forma de definições, algumas ideias sobre a poesia e os poetas de que falou António Manuel Pires Cabral na entrevista de Carlos Vaz Marques (na Ler de Outubro):
Poetas: são aqueles ‘que ajudam a compreender um bocadinho melhor este mistério tramado que é a vida’;
Metáforas: o 'danoso ofício' com que se ocupam os poetas; as metáforas fizeram-se para disfarçar a realidade; uma metáfora 'bem arrumadinha' proporciona 'um prazer estético extraordinário';
Poesia: ‘o tempo da poesia grandiloquente já lá vai’; a nova poesia deve aproximar-se 'do rés das coisas'.
Poesia e filosofia: a poesia pode proporcionar a reflexão através de uma 'utilização engenhosa da linguagem'; a poesia coloca questões filosóficas de forma ‘mais agradável e menos hermética’.

quinta-feira, outubro 30, 2008

Inclassificável (ainda sobre o salário mínimo) (II)

As declarações de Augusto Morais são inclassificáveis por várias razões. Estas são duas:

- Em vez de um argumento, temos uma ameaça, e uma ameaça às pessoas (Augusto Morais não lhes chama 'pessoas', mas sim «43720 contratos»; afinal, é preciso rigor nestas coisas);
- Sobre a alegação de que o aumento de 24 euros/mês é «tecnicamente» (o advérbio é de Augusto Morais) insuportável para as PMEs, seria interessante, já agora, uma averiguação para perceber quantas vezes é esse o valor (24 euros), por exemplo, da factura de um almoço que, «tecnicamente», entrará na contabilidade de uma dessas PMEs.

Este é um dos casos em que as decisões políticas podem (devem) traduzir uma visão a longo prazo e alguma racionalidade. Sim, porque é difícil perceber como pode a economia crescer quando ainda se discute se as pessoas devem receber um salário que, «tecnicamente», dá para sobreviver.

Inclassificável (ainda sobre o salário mínimo)

Isto é inclassificável.

quarta-feira, outubro 29, 2008

Moralidade e Política

A frase de Fernando Martins, que cito no post anterior, assim como a leitura de um dos comentários a esse texto, comentário que parecia supor que a relação entre moral e economia é uma coisa estranha, fizeram-me pensar sobre a relação entre as esferas da política (é hoje evidente a necessidade de colocar o económico na esfera do político, chame-se a isso 'regulação' ou outra coisa qualquer) e da moral. No fundo, pensei que a incoerência que encontro muitas vezes em certos discursos releva da falta de clareza com que é entendida esta relação. Assim, há pessoas que defendem a aprovação de certas leis com base no pressuposto de que a política e a moral são províncias desavindas, e que, portanto, a justiça da lei é proporcional à sua suposta neutralidade. Noutras ocasiões, as mesmas pessoas vociferam e insurgem-se contra a aprovação de certos diplomas com base na ideia de que há valores morais/éticos fundamentais que estão a ser violados. Talvez isto se explique pelo facto de palavras como 'ética' ou 'moral' se terem transformado em 'cascas vazias' que, de vez em quando, vale a pena usar. É uma hipótese.

Economia e Moral (sobre o salário mínimo)

«Salários mínimos artificialmente baixos permitem a existência de empresas social, económica e moralmente insustentáveis.»

Fernando Martins, no Cachimbo de Magritte

terça-feira, outubro 28, 2008

Dos livros e da imagem do filósofo


Três Livros

Na sala ‘Nietzsche’, com a belíssima música dos ‘Músicos do Tejo’, Nuno Nabais, professor de Filosofia (e livreiro há sete anos), falou das actividades da Fábrica Braço de Prata e reflectiu sobre algumas teses defendidas em três livros: Tristes Trópicos, de Lévi-Strauss, Sob Palavra. Instantâneos Filosóficos, de Jacques Derrida, e O Imperceptível Devir da Imanência - sobre a filosofia de Deleuze, de José Gil.
- Sobre o método antropológico de Lévi-Strauss, referiu a intenção estruturalista de classificar o conjunto da experiência humana segundo um modelo que lembra a construção de uma tabela periódica.
- Sobre a obra de Derrida, que consiste num conjunto de entrevistas sobre temas políticos e éticos, considerou tratar-se de uma boa introdução ao pensamento do filósofo francês e leu passagens sobre o conceito de mentira.
- Sobre a obra de José Gil, destacou o facto de se tratar de um conjunto de textos que reflectem sobre o problema da imanência em Deleuze. E, com clareza, referiu a oposição postulada por Deleuze entre "tradições da transcendência" (nas quais o sentido do mundo sensível releva de um plano transcendente) e "tradições da imanência" (que procuram encontrar no sensível os princípios da sua inteligibilidade).

A Imagem do Filósofo
A conversa sobre livros termina com Nuno Nabais a referir que a imagem do filósofo é substancialmente diferente na tradição anglo-saxónica e na tradição representada, por exemplo, por Deleuze. Na tradição americana e inglesa, defende, o filósofo é visto como um jornalista erudito que 'explica o real à opinião pública e legitima mudanças determinadas por decisões parlamentares'; na tradição de que faz parte Deleuze, pelo contrário, o filósofo é o pensador de vanguarda, alguém que 'rasga novos caminhos para a humanidade'.

Governo Sombra, 24.10.2008

João Miguel Tavares compara o novo álbum dos Madredeus (com bateria, guitarra eléctrica e harpa) com 'o Mosteiro dos Jerónimos pintado com graffiti' e defende que Manuela Ferreira Leite tem um ‘fascínio pelo abismo’. Ricardo Araújo Pereira fala das considerações humorísticas do deputado Pita Ameixa. Pedro Mexia mostra-se pouco preocupado com a abstenção nas eleições dos Açores e aconselha Miguel Sousa Tavares a adquirir uma 'pen'. Foi no Governo Sombra.

segunda-feira, outubro 27, 2008

O romance e a filosofia, segundo Kundera

«[...] todos os grandes temas existenciais que Heidegger analisa em Ser e Tempo, julgando-os abandonados por toda a filosofia europeia anterior, foram desvendados, mostrados, iluminados por quatro séculos de romance (quatro séculos de reincarnação europeia do romance). Um por um, o romance descobriu à sua própria maneira, pela sua própria lógica, os diferentes aspectos da existência: com os contemporâneos de Cervantes interroga-se sobre o que é a aventura; com Samuel Richardson, começa a examinar "o que se passa no interior", a desnudar a vida secreta dos sentimentos; com Balzac descobre o enraizamento do homem na História; com Flaubert explora a terra até então incógnita do quotidiano; com Tolstoi debruça-se sobre a intervenção do irracional nas decisões e no comportamento humanos. Sonda o tempo: o fugidio momento passado com Marcel Proust; o fugidio momento presente com James Joyce. Interroga, com Thomas Mann, o papel dos mitos que, vindos do fundo dos tempos, guiam os nossos passos. Et caetera, et caetera.»

Milan Kundera, L'Art du roman, 1987 (trad. port. A Arte do Romance, Dom Quixote, 1988)

domingo, outubro 26, 2008

Mente, Cérebro e Filosofia



Descobri recentemente, e recomendo, a publicação brasileira Mente, Cérebro & Filosofia. Em seis números, esta revista apresenta a síntese de algumas ideias dos mais importantes pensadores ocidentais. Recomendo sobretudo por duas razões: 1) é uma revista de filosofia em que os argumentos de autores como Platão ou Berkeley são expostos com clareza sem que isso implique a ausência de rigor (os artigos são escritos por mestres e doutorados em Filosofia); 2) as pinturas e gravuras escolhidas para acompanhar os textos são muito pertinentes, não constituindo uma mera ilustração (e.g., no n.º 1 da revista, o artigo sobre a concepção aristotélica da amizade tem uma belíssima iluminura de um manuscrito francês do século XV; esta iluminura pretende representar os tipos de amizade que Aristóteles descreve na Ética a Nicómaco).

quinta-feira, outubro 23, 2008

Filosofia e Literatura, segundo Iris Murdoch

«[...] philosophy does one thing, literature does many things and involves many different motives in the creator and the client. It makes us happy, for instance. It shows us the world, and much pleasure in art is pleasure of recognition of what we vaguely knew was there but never saw before. Art is mimesis and good art is, to use another Platonic term, anamnesis, 'memory' of what we did not know we knew. Art 'holds the mirror up to nature'. Of course this reflection or 'imitation' does not mean slavish or photographic copying. But it is important to hold on to the idea that art is about the world, it exists for us standing out against a background of our ordinary knowledge. Art may extend this knowledge but is also tested by it. We apply such tests instinctively, and sometimes of course wrongly, as when dismiss a story as implausible when we have not really understood what sort of story it is.»

Iris Murdoch. "Literature and Philosophy: a Conversation with Bryan Magee". Existentialists and Mystics. Writings on Philosophy and Literature. Edited by Peter Conradi. Penguin Books, 1998.

terça-feira, outubro 21, 2008

As melhores óperas em 10 minutos

segunda-feira, outubro 20, 2008

Mal Nascida

Aceita-se hoje a ideia (para a qual muito contribuíram os românticos quando definiram a singularidade da visão genial como critério de valor artístico) de que cabe à arte mostrar aquilo que as pessoas, na sua experiência quotidiana, não conseguem ver: a beleza, a complexidade das coisas a que nos habituámos, a fragilidade de certos valores e ideias, etc.. A julgar pelo filme mais recente de João Canijo, o Mal Nascida, parece existir, no caso de algum cinema português, a intenção de mostrar um Portugal que os Portugueses não conseguem ver devido a uma certa educação, a uma certa história. A mal nascida é aquela cuja vida constitui a perfeita antítese do sentido etimológico do seu nome: Lúcia. A vida de Lúcia nada tem de luminoso; a sua única alegria, diz a dada altura, é tratar da casa de Jusmino, o homem que ela, como mulher, não pode amar. Lúcia é, na verdade, uma criança que só se transforma em mulher entregando-se a uma relação incestuosa e matando a mãe; a sua condição trágica resulta, como no teatro grego, dos laços de sangue.
Contudo, já em cima sugeri, o filme de Canijo não consiste apenas na adaptação moderna de um mito grego; trata-se, com efeito, de uma adaptação a partir da qual é possível também tentar compreender o que é 'ser português' e perceber, deitando por terra uma certa ideia luminosa que a mitologia da saudade ajudou a tecer, quais os 'labirintos' desse 'ser português' (para utilizar a expressão que Eduardo Lourenço tornou célebre num conjunto de ensaios não menos célebre: O Labirinto da Saudade). Neste sentido, os objectos que permitem caracterizar as personagens pertencem ao simbólico. No caso da mãe de Lúcia, as imagens de Nossa Senhora, de muitas cores e tamanhos, traduzem claramente a transformação do sagrado em kitsch, o que aliás condiz bem com a ética sui generis que Evaristo tão bem descreve com a expressão 'Ai a puta da caridade'. Pelo contrário, as roupas simples de Lúcia mostram que a sua verdade não se mostra por ostensão. Mas disto não deve inferir-se que o Mal Nascida faz o elogio da integridade de Lúcia. A vida de Lúcia perdeu-se porque o passado não ficou resolvido e, em certo sentido, ela é o exemplo de como a fixação numa verdade - ou 'cena' - primitiva transforma a vida em sobrevivência.

domingo, outubro 19, 2008

Kit Watkins, Evening Mothra

quinta-feira, outubro 16, 2008

A. Campos e Daisy

«Lisboa sempre foi uma cidade de calçadas ilustradas com desenhos e ornatos em pedrinhas multicolores compostas por operários de martelinho arteiro: são eles que desenham e escrevem o chão que pisamos todos os dias. Mas este grafismo - Daisy - aqui, aos pés de Álvaro de Campos, valia como uma assinatura milagrosa. Um fim de viagem, uma espera do nada, do impossível.
E eis que de repente apareceu ela. Ela em pessoa. Daisy, não havia dúvida. Surgiu na montra, por entre véus e grinaldas, a compor um manequim e, embora marcada pela idade, continuava com a tal estelinha no rosto a fazê-la perdurar para sempre.»

Do conto "O viajante anunciado", de José Cardoso Pires.
O conto descreve o assombro e a perplexidade de Álvaro de Campos ao ler as Poesias de Álvaro de Campos, e a viagem em busca de Daisy.

Inédito publicado na Ler (edição n.º 73, Outubro de 2008)

terça-feira, outubro 14, 2008

Arte, Literatura e Conhecimento

Pequena lista de perguntas interessantes:

- Que tipo de coisas aprendemos quando lemos romances ou poemas?
- Fará sentido relacionar 'conhecimento' e 'literatura'?
- A arte e a literatura ensinam coisas profundas sobre a vida? E ensinam melhor do que qualquer sistema filosófico? [E já agora, o que são 'coisas profundas'?]
- Há razão para defender o ensino das Humanidades com base em argumentos que relevem da noção de "valor cognitivo"?


Li aqui um texto sobre estas questões. Trata-se da resposta de Desidério Murcho a algumas ideias defendidas por Maria Helena Santana em Literatura e Ciência na Ficção do Século XIX (Lisboa: Imprensa Nacional, 2007). Vale a pena ler os comentários e respectivas respostas.

segunda-feira, outubro 13, 2008

O fim e a busca, explicadas a Lucílio

«Para começar, se achas bem, dir-te-ei qual a diferença entre sabedoria e filosofia. A sabedoria é o bem supremo do espírito humano, enquanto a filosofia é o amor, o impuslso pela sabedoria; aquela aponta o fim que esta alcança. A origem do termo 'filosofia' é transparente: o próprio nome indica qual é aqui o objecto do amor. A sabedoria tem sido definida por alguns como a ciência das coisas divinas e humanas; para outros, a sabedoria consiste em conhecer o divino e o humano, e as respectivas causas. Esta adenda parece-me supérflua, porquanto as causas do divino e do humano são, em si, uma parte do divino. Também a filosofia tem sido definida de várias maneiras: uns consideram-na o estudo da virtude, outros o estudo do modo de adquirir ideias correctas; por alguns outros foi ainda definida como a busca de uma razão justa.
Onde há, praticamente, acordo é em considerar que a filosofia e a sabedoria são coisas diferentes. De facto, é impossível que a busca de uma finalidade se confunda com essa finalidade».

Lúcio Aneu Séneca, Cartas a Lucílio, Livro XIV, Carta 89
(Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2.ª ed., 2004).

sábado, outubro 11, 2008

Bellini, por Cecilia Bartoli

sexta-feira, outubro 10, 2008

Da interpretação das ovelhas


Observação de José Pacheco Pereira no Quadratura do Círculo (09/10): José Sá Fernandes imaginou-se um Pina Manique com direito a 'interpretações jurídicas'.

(A propósito da decisão de Sá Fernandes de mandar retirar o cartaz que o PNR colocou em Entrecampos)

quarta-feira, outubro 08, 2008

Fragonard, por Jorge de Sena




«O Balouço», de Fragonard

Como balouça pelos ares no espaço
entre arvoredo que tremula e saias
que lânguidas esvoaçam indiscretas!
Que pernas se entrevêem, e que mais
não se vê o que indiscreto se reclina
no gozo de escondido se mostrar!
Que olhar e que sapato pelos ares,
na luz difusa como névoa ardente
do palpitar de entranhas na folhagem!
Como um jardim se emprenha de volúpia,
torcendo-se nos ramos e nos gestos,
nos dedos que se afilam, e nas sombras!
Que roupas se demoram e constrangem
o sexo e os seios que avolumam presos,
e adivinhados na malícia tensa!
Que estátuas e que muros se balouçam
nessa vertigem de que as cordas são
tão córnea a graça de um feliz marido!
Como balouça, como adeja, como
é galanteio o gesto com que, obsceno,
o amante se deleita olhando apenas!
Como ele a despe e como ela resiste
no olhar que pousa enviesado e arguto
sabendo quantas rendas a rasgar!
Como do mundo nada importa mais!
Jorge de Sena, Metamorfoses

terça-feira, outubro 07, 2008

Fernando Pessoa e o Estado



António M. Feijó sobre a exposição de literatura portuguesa "Weltliteratur. Madrid, Paris, Berlim, São Petersburgo, o Mundo!":

«O interesse em usar Pessoa é que por um lado, em Portugal, há um lugar comum, corrente em pessoas ligadas à literatura, que afirmam estarem cansadas de Pessoa, fatiga esta que parece, no mínimo, bizarra. O outro aspecto é o de que há uma espasmódica apropriação de Pessoa pelo Estado. Esta apropriação é, evidentemente, política e assimétrica: o Estado precisa de Pessoa mas Pessoa não precisa do Estado.»


Entrevistado, com Manuel Aires Mateus, por Elisabete Caramelo (Jornal da Exposição)

segunda-feira, outubro 06, 2008

Consolação

Boécio e a Filosofia, Mattia Preti (séc. XVII)



Book I

I who once wrote songs with joyful zeal
Am driven by grief to enter weeping mode.
See the Muses, cheeks all torn, dictate,
And wet my face with elegiac verse.
No terror could discourage them at least
From coming with me on my way.
They were the glory of my happy youth
And still they comfort me in hapless age.
Old age came suddenly by suffering sped,
And grief then bade her government begin:
My hair untimely white upon my head,
And I worn out bone-bag hung with flesh.
[...]

Boethius. The Consolation of Philosophy


«The Consolation of Philosophy has been many things to many men»
(da introdução da Penguin, 1999)

quarta-feira, outubro 01, 2008

'Agora a sério' II

"José Sócrates e Chávez são tão amigos que a Câmara Municipal de Lisboa pensa oferecer uma casa ao presidente da Venezuela".
Diogo Quintela, no programa Dia D

'Agora a sério'

«Agora a sério» - a expressão que a Ana Lourenço repetiu mais vezes durante a entrevista aos "Gato Fedorento" no programa Dia D.