sábado, janeiro 31, 2009

Numa mercearia perto de si


Aqui perto só encontro esta:


quinta-feira, janeiro 29, 2009

Vamos lá falar um bocadinho sobre o pragmatismo

Sobre "método" de Paul de Man e outras questões

Outras questões como sejam: a possibilidade de uma interpretação filologicamente fundamentada, o carácter autotélico de todas as teorias, historicismo versus teoria, etc.. Quem se interessar por isto pode dar um salto até aqui.

quarta-feira, janeiro 28, 2009

Espirituosos e afins




«Ordinariamente, chamam-se, à francesa - espirituosos -, uns sujeitos dotados de génio motejador, aplaudidos com a gargalhada, e aborrecidos àqueles mesmos que os aplaudem. São os caricaturistas da graciosidade.
O «espirituoso», à moderna, abrange os variados ofícios que, antes da nacionalização daquele estrangeirismo, pertenciam parcialmente aos seguintes personagens, uns de casa, outros importados:
Chocarreiro - trejeiteador - arlequim -palhaço - proxinela - polichinela - maninelo - truão - jogral - goliardo - histrião - farsista - farsola - vejete - bobo - pierrot - momo - bufão - folião, etc.
Esta riqueza de sinonímia denota que o bobo medieval bracejou na Península Ibérica vergônteas e enxertias em tanta cópia que foi preciso dar nome às espécies.
Ora, o "espirituoso" tem de todas. A antiga jogralidade, que era mester vil, acendrada nos secretos crisóis do progresso social, chegou a nós afidalgada em "espírito", e com o foro maior de faculdade poderosa, cáustica, implacável.
Ainda assim o estreme espírito português, por mais que o afiem e agucem, é sempre rombo e lerdo: não se emancipa da velha escola das farças: é chalaça


Camilo Castelo Branco. "Gracejos que Matam", Novelas do Minho, vol. I., Porto: Lello & Irmão, 1980.

terça-feira, janeiro 27, 2009

Dante, por Gustave Doré



- É um caso de amor infeliz, Sr.ª D. Felicidade - disse Julião. - É a história triste de Paulo e Francesca de Rimini.

Eça de Queirós, O Primo Basílio. Episódio Doméstico

segunda-feira, janeiro 26, 2009

"The pursuit of happiness" (não é literatura de auto-ajuda)


«Although I have no intention of attempting anything so rash as a 'history of mankind', I do believe that a history of happiness, at least initially, should be an intellectual history, a history of conceptions of this perennial human end the strategies devised to attain it, as these evolved in different ethical, philosophical, religious, and, I would add, political contexts, For whatever else might be (and it is, assuredly, many things), happiness in the West has functioned above all as an idea - an idea and aspiration that for particular reasons has exercised a powerful hold on the Western imagination. Given, as Freud recognized, the immense difficulty, even impossibility, of ever judging another's state of happiness with precision (indeed, of judging our own), I have chosen instead to focus on representations of the term and concept as these have developed over time. The changes [...] have been dramatic - so much that the "happiness" of yesterday bears only a scarce resemblance of the happiness" of today. But by charting the history of this development, and tracing the genealogy of what is now an overarching aspiration, I hope to show that there are important connections nonetheless.»
Darrin McMahon (prefácio, p. xiv)

Darrin McMahon. The Pursuit of Happiness. A History from the Greeks to the Present. Penguin Books / Allen Lane, 2006.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

Interpretações cegas

Paul de Man sobre 'as exegeses que Heidegger consagrou a Hölderlin':

«Compreende-se que Heidegger tenha necessidade de uma testemunha [i.e. de uma testemunha da presença do Ser]. Mas porque tem esta de ser Hölderlin? Existem, bem entendido, razões secundárias, sentimentais e nacionais, a seu favor; estes comentários, concebidos imediatamente antes e durante a guerra, estão ligados muito directamente a uma meditação atormentada sobre o destino histórico da Alemanha, meditação essa que encontra eco nos poemas ditos "nacionais" de Hölderlin. [...] Existe todavia uma outra razão, bem mais profunda, que justifica esta escolha: é que Hölderlin diz exactamente o contrário daquilo que Heidegger o faz dizer».

Paul de Man. "As exegeses de Hölderlin por Martin Heidegger". O Ponto de Vista da Cegueira. Tradução de Miguel Tamen. Angelus Novus & Edições Cotovia, 1993. Título original Blindness and Insight. Essays in the Rhetoric of Contemporary Criticism (1971, 1983).

terça-feira, janeiro 20, 2009

Afinal, Obama é um marciano (comentários interessantes)

«Obama, para além de ser o primeiro presidente negro, poderá ser também o primeiro presidente verde.»

José Alberto Lemos na RTPN

Café sem princípio


Café sem princípio. Ouvi esta expressão há dias. Expressão belíssima para o meu ouvido, incomparável a "café sem a primeira pinga". Belíssima - diria mesmo: poética -, porque perturba a segurança que caracteriza, na maioria dos casos, a nossa interpretação do mundo e das palavras que o descrevem; expressão em que a possibilidade de distinguir entre "sentido literal" e "sentido figurado" vacila (Eduardo Prado Coelho, numa obra de 1979 - anterior, portanto, à fase dos títulos que incluíam a palavra "azul"... -, falava da "letra litoral"). Afinal, o homem da rua, para recorrer a uma expressão cara a certos filósofos, pode tornar-se poeta.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Hans Ulrich Gumbrecht



A este senhor foi atribuído, pela Universidade de Lisboa, o Doutoramento Honoris Causa. A cerimónia de atribuição é no dia 21, na Aula Magna, às 14:30.

domingo, janeiro 18, 2009

Coisas que se merecem, ou não

You don't deserve Cole Porter!

Mickey Sachs

(Hannah and Her Sisters)

sábado, janeiro 17, 2009

«- É casada? - Não, mas o meu namorado é!»

Dois irmãos - um professor de dramaturgia que quer publicar um livro sobre Beckett e chora quando lhe fazem ovos para o pequeno-almoço, incapaz de expressar de outra forma o que sente, e uma mulher que quer escrever teatro, sonha com uma bolsa para criação artística e tem uma relação com um homem casado - têm em mãos uma situação incontornável: Jon e Wendy Savage precisam de tomar conta de um pai que sofre de demência. Têm de tomar decisões muito difíceis, e o filme de Tamara Jenkins (The Savages, 2007) mostra, para além disso (i.e., o peso da decisão), outra coisa: a decisão em relação a um pai obriga aqueles que decidem a uma reflexão. Não se trata de reflectir sobre o que correu mal na educação dos dois irmãos ou sobre quem terá contribuído mais para que as coisas tivessem corrido de uma certa maneira. Na verdade, em vez de uma analepse inútil (que seria uma interpretação bastante pobre de Freud), assistimos a um conflito em que aquilo que está em causa é a possibilidade de Jon e Wendy encontrarem sentido no que fazem, nas suas vidas. O humor, como no melhor de Woody Allen, está presente, quase sempre na forma de auto-ironia. Assim, quando lhe perguntam se é casada, Wendy responde: «Não, mas o meu namorado é!».

sexta-feira, janeiro 16, 2009

O paiozinho!

Um comentador de um post anterior sugere que é importante reler Eça (ou "voltar a", como se diz também...). É verdade: nem sempre há tempo, mas há livros que vale mesmo a pena reler. E ainda por cima o final extraordinário d'Os Maias, final sério e cómico (e não, não é uma antítese). Bem vistas as coisas, depois de provada a teoria de que se falha sempre na vida, nada melhor do que um prato de paio com ervilhas.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

O cristianismo e a melancolia, segundo Victor Hugo

«Victor Hugo in his famous preface to Cromwell preferred to associate Romanticism above all with "the grotesque". Christianity, he argues, with its sense of sin brought melancholy into the world (surely one of the strangest assertions ever made). Man now realized the paradox of his imperfect nature -

Magnificent out of the dust we came,
And abject from the spheres
(William Watson)

With this melancholy grew up the sense of "the grotesque" - whether horrible, or ludicrous, or both (like Hugo's own Hunchbach); and hence arouse that habit of mingling the grotesque with the tragic or sublime, which Classicism forbids, but life confirms.»

F. L. Lucas. The Decline and Fall of the Romantic Ideal. Cambridge University Press, 1963.

Descubra as diferenças

Ega ergue-se, atirou um gesto desolado:
- Falhámos a vida, menino!
- Creio que sim... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é, falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação. Diz-se: «Vou ser assim, porque a beleza está em ser assim.» E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado, como dizia o pobre marquês. Às vezes melhor, mas sempre diferente.
[...]
Uma comoção passou-lhe na alma, murmurou, travando do braço do Ega:
- É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!
Ega não se admirava. Só ali, no Ramalhete, ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida - a paixão.
- Muitas outras coisas dão valor à vida... Isso é uma velha ideia de romântico, meu Ega!
- E que somos nós? - exclamou Ega. - Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão....

Eça de Queirós. Os Maias

Produtos românticos, nós todos...
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura...
Santos Deuses, assim até se faz a vida!

Os outros também são românticos,
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,
Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,
Os outros também são eu.

Álvaro de Campos, do poema "Reticências"

quarta-feira, janeiro 14, 2009

"All epistemology begins in fear" - um estudo sobre a ciência e a "visão objectiva" das coisas



All epistemology begins in fear - fear that the world is too labyrinthine
to be threaded by reason; fear that the senses are too feeble and the
intellect too frail; fear that memory fades, even between adjacent steps of a
mathematical demonstration; fear that authority and convention blind;
fear that God may keep secrets or demons deceive.
Objectivity, p. 372

Objectivity, de Lorraine Daston e Peter Galison, é uma obra brilhante («it is a rare thing, a great book», nas palavras do filósofo Hilary Putnam). A tese principal defendida nesta obra é a de que a tendência para estabelecer uma relação de sinonímia entre as palavras "científico" e "objectivo" resulta da emergência, no século XIX, de uma nova "virtude epistémica". Com efeito, Objectivity pretende 'contar a história de uma ideia' - a de objectividade - e consegue fazê-lo sem forçar o particular a ajustar-se à teoria, ou seja, é a referência aos casos concretos, revelando uma investigação aturada, que determina a constituição da narrativa. Como se sugere num dos capítulos, as "ideias" constituem modos de descrever práticas humanas (no caso, práticas relacionadas com modos de "ver" imagens, com "epistemologias do olho"); não são paradigmas, metafísicos, de interpretação. Bem entendido, há também um objectivo revisionista na investigação desenvolvida: um objectivo que se prende com a necessidade de estabelecer a diferença entre história da epistemologia, ou história da ciência, e história da objectividade.

A objectividade, segundo Daston e Galison, passa a definir a ciência na segunda metade do século XIX. Significando a possibilidade de "ver" imagens sem interpretação, sem inferências ou teoria, a objectividade tinha associada uma nova imagem do homem da ciência: o cientista era aquele que controlava a sua vontade, algo necessário para evitar 'contaminar' os dados da natureza, i.e., 'minimizar a intervenção humana'. Ao mesmo tempo, o conceito de Arte que começa a ser delineado coloca o artista no pólo oposto, como representante da "subjectividade". A prová-lo estão os textos de Baudelaire sobre a carácter não-artístico da fotografia (cf. texto sobre o "Salon de 1859"), citados na secção "Photography as science and art" (pp. 125-138).

Antes de uma concepção da ciência e do cientista alicerçada na negação, quase ascética, da interferência do elemento humano, a construção do conhecimento científico supunha, no século XVIII, um ideal de "fidelidade à natureza" e o desejo de encontrar o "tipo" subjacente a um conjunto de particulares (o que exigia uma percepção especial, próxima do "génio"). Depois, como reacção à reprodução mecanizada - objectiva - de imagens do mundo, que se constituíra como resposta nominalista à tendência dos "fiéis à natureza", o século XX volta a reintroduzir a consciência do valor do olho treinado, ou seja, do conhecimento do cientista na interpretação de qualquer imagem.

O livro termina com um conjunto de considerações onde se defende que, no momento actual, as actividades do cientista, do engenheiro e do artista estão muito próximas, sendo a produção de imagens entendida cada vez mais como uma ferramenta manipulável.


Lorraine Daston & Peter Galison. Objectivity. New York: Zone Books, 2007.

terça-feira, janeiro 13, 2009

Livros Vendaval


Disseram-me hoje que a editora Livros Vendaval chegou ao fim.

Moral da piada

«[....] talvez fosse de concluir que o estádio supremo de liberdade o alcança o sujeito capaz de adoptar a estrutura da piada na vida moral, ou seja, de se ver a si mesmo a decidir abandonando e até escarnecendo das próprias convicções sem contudo as renegar.»

Abel Barros Baptista. "A vida não está para graças", in Revista Ler (Janeiro 2009), p. 17.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

Relações de vizinhança: uma revelação

«Ah, compreendo! O patrão Vasques é a Vida. A Vida, monótona e necessária, mandante e desconhecida. Este homem banal representa a banalidade da Vida. Ele é tudo para mim, por fora, porque a Vida é tudo para mim por fora.
E, se o escritório da Rua dos Douradores representa para mim a vida, este meu segundo andar, onde moro, na mesma Rua dos Douradores, representa para mim a Arte. Sim, a Arte, que mora na mesma rua que a Vida, porém num lugar diferente, a Arte que alivia da vida sem aliviar de viver, que é tão monótona como a mesma vida, mas só em lugar diferente. Sim, esta Rua dos Douradores compreende para mim todo o sentido das coisas, a solução de todos os enigmas, salvo o existirem enigmas, que é o que não pode ter solução.»

Bernardo Soares. Livro do Desassossego. Frg. 9. Edição de Richard Zenith. Obras de Fernando Pessoa / 4. Lisboa: Assírio & Alvim, 1998.

quarta-feira, janeiro 07, 2009

Vou agora retirar-me para tentar compreender bem isto:

«Que veut dire "dépassement de la métaphysique"? La pensée tournée vers l'histoire de l'être n'utilise ce titre que comme un expédient, pour se rendre quelque peu intelligible. [...]»

Martin Heidegger. "Dépassement de la Métaphysique". Essais et Conférences. Éditions Gallimard, 1958.

terça-feira, janeiro 06, 2009

Isto um dia pode ser arte




'Justiça Poética'


Numa entrevista conduzida por Inês de Medeiros, Robert Badinter descreve a pena de morte como um procedimento animado por um 'instinto de morte', fala na necessidade de 'vigiar os democratas' e sugere uma interpretação freudiana da sociedade contemporânea, considerando que a "maternização" substituiu a época da veneração dos heróis.

IM: A que se deve tanta reticência em abolir a pena de morte, se está provado que ela não é dissuasiva?

RB: Cobardia política. É preciso muita coragem. É muito difícil, do ponto de vista filosófico, mas muito mais difícil em termos políticos tomar a decisão de acabar com a pena de morte. Nem sequer Barack Obama tem coragem de afrontar esta questão e dizer que vai acabar com a pena de morte. [...] o homem é um animal que mata e não para se alimentar. Caim faz parte da espécie humana, eu conheci-o. Há nele um impulso de morte. E quando estamos perante um crime atroz esse impulso de morte desperta na opinião pública. O crime estimula o impulso de morte.

[...]

IM: Isso significa que não se pode ficar à espera de uma mudança de mentalidades?

RB: O argumento é sempre o mesmo. "A pena de morte será abolida quando o sentimento de insegurança desaparecer ou diminuir", ou seja: nunca. Porque o sentimento de insegurança está sempre connosco. O melhor aliado que encontrei foi, sem dúvida, Victor Hugo. O seu livro O último dia de um condenado põe pela primeira vez a "câmara" dentro da prisão para que o leitor se possa identificar com o condenado à morte. O génio poético é muito mais eficaz em termos emocionais na luta pela abolição do que uma explicação teórica sobre o direito à vida, o primeiro dos direitos humanos, a fragilidade da justiça, a possibilidade de erro, etc....

Entrevista completa na revista Relance (Janeiro 2009, 3, pp. 32-42)

segunda-feira, janeiro 05, 2009

Doxa

«Essa é a sua opinião. Não é a minha.»
José Sócrates em entrevista à Sic (hoje).

sexta-feira, janeiro 02, 2009

A outra vida, por Fellini

Na blogosfera também se discute a pós-modernidade (título alternativo: Pacheco Pereira não tem razão)

Em alguns comentários aos textos de Palmira F. Silva e Carlos Vidal, está subjacente a oposição entre filósofos anglo-saxónicos e os chamados "filósofos da diferença" (J. Derrida, M. Foucault, G. Deleuze). Para alguns comentadores, os da "diferença" dizem apenas disparates e não contribuem para "aumentar" (verbo que Kuhn e Rorty rejeitam) o nosso conhecimento (ideia que Palmira Silva também parece aceitar). Creio que a diferença de filosofias se prende, essencialmente, com dois aspectos: o estilo (os da "diferença" não hesitam em recorrer, por exemplo, a trocadilhos para explicar certos pontos de vista - veja-se o caso de Derrida com o par "différence/différance" -, e há nos seus textos um tom mais "poético" que continua o gesto de Heidegger, que rejeitou o poder da lógica, e permite mostrar o desenvolvimento de um pensamento, ou seja, não encontramos nestes textos a ordem canónica de um paper: a apresentação de uma tese e a sua defesa) e a posição a respeito da distinção diltheyana entre ciências naturais e ciências do espírito.