terça-feira, dezembro 30, 2008
segunda-feira, dezembro 29, 2008
Belo e muito triste - "O Conto dos Crisântemos Tardios"
domingo, dezembro 28, 2008
O caos e a âncora - "O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar"
O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar, p.99.
O sacrifício de Ryuji é a condenação do amor, de tudo o que representa uma segurança: uma «âncora». No fundo, ir ao encontro do amor significou, para o marinheiro, abdicar da perigosa oscilação das ondas e voltar a estabelecer uma ligação («Fusako olhou para a proa. A prancha tinha sido levantada; a última ligação entre o navio e a terra tinha sido cortada.». p. 92). Assim, é como se Mishima mostrasse que o grande perigo não é viver, como pensa o Chefe do grupo; o grande perigo que transformará a glória de Ryuji «numa coisa amarga» é um amor capaz de desafiar o caos absoluto. Afinal, a âncora do boné de Ryuji assemelhava-se a uma lágrima.
Referência das páginas: Yukio Mishima. O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar. Lisboa: Assírio & Alvim, Setembro de 2008 (3.ª ed.). Tradução de Carlos Leite a partir de tradução inglesa.
Harold Pinter (1930-2008)
quinta-feira, dezembro 25, 2008
quarta-feira, dezembro 24, 2008
Naomi, ou a história de um pobre idiota
Em Naomi (tít. original Chijin No Ai), o belíssimo romance do escritor japonês Junichiro Tanizaki, o leitor encontra um conjunto não pequeno de referências a um período decisivo da história moderna do Japão, período marcado pela ocidentalização que se seguiu ao fim de um isolamento secular. Neste sentido, não incorremos em erro ao afirmar que Naomi mostra os efeitos de uma aculturação quase súbita que se reflectiu na arquitectura, na moda, nas relações afectivas e em «novas doutrinas e filosofias de toda a espécie» (p. 7), nem ao acrescentar que o romance não veicula uma perspectiva muito optimista acerca deste fenómeno, como se Tanizaki pretendesse sublinhar a diferença entre abertura e descaracterização, ou mesmo mostrar a irracionalidade do fascínio por uma cultura quando este fascínio implica abdicar de tudo o que somos.
Na verdade, a reflexão sobre os efeitos da ocidentalização na cultura nipónica constrói-se a partir da descrição de aspectos do comportamento de Naomi, a japonesa que é o amor de Joji e o centro da narrativa. O romance de Tanizaki apresenta assim a história de um amor que começa como um «conto de fadas» e culmina na vitória da obsessão (de quem ama) e da perversidade lasciva (de quem é amado). Na fase idílica dos «contos de fadas», é particularmente belo o modo como é descrita a mistura de ternura e desejo que caracteriza a relação entre Joji e Naomi; veja-se, por exemplo, a passagem em que Joji, o narrador, “cita”, num estilo de que Nabokov se aproxima nos melhores momentos de Lolita, o diário onde começou a relatar o desenvolvimento de Naomi, como se esta fosse um bebé. Depois desta fase poética e ingénua, Naomi torna-se uma espécie de “Cleópatra” e Joji faz o papel de Marco António, ou seja, o papel do grande “idiota” que sucumbe aos encantos daquela que educou (sim, também é possível interpretar a obra de Tanizaki como a história de uma educação falhada...) para ser a mulher perfeita. E nós, leitores, reagimos em muitos momentos como a turma de Joji na aula de História: rimos.
segunda-feira, dezembro 22, 2008
Luxos (parte II)
(A imagem em cima é de Gustave Doré e surge numa edição de Paradise Lost c. 1880)
quarta-feira, dezembro 17, 2008
Estômago para escrever - 'Fome', de Knut Hamsun
Sobre ao primeiro ponto sublinhado por Auster, o romance exibe de facto a exploração, que Joyce elevaria a um outro nível, dos meandros da consciência, destacando-se os momentos em que o narrador reflecte, em monólogos vertiginosos que a fome suscita, sobre os limites da lucidez e da demência. Com efeito, a descrição do processo de escrita torna impossível ao leitor garantir que a loucura está ausente dos actos do escritor faminto, que deseja escrever no limite, i.e., quando a fome ameaça vencer o corpo (como Auster também nota, a noção de arte que está implícita nesta atitude é a de que a arte que não se distingue da vida, implicando um comprometimento real). E o mais curioso é o facto de o narrador nada fazer para impedir a aproximação daquele limite; a sua inteligência parece sucumbir a imperativos que relevam de uma moralidade muito distorcida, cheia de contradições.
É igualmente justa a observação de Auster sobre a arrogância do narrador de Fome, a lembrar a megalomania de um Raskolnikov. A arrogância manifesta-se sobretudo em gestos estúpidos, mediante os quais o narrador mente sobre a sua situação. É aliás notável a forma como Hamsun consegue escrever como se evitasse suscitar qualquer sentimento de compaixão. Do mesmo modo, trata o tema da fome sem recorrer a uma contextualização política, permitindo assim que o indivíduo se eleve acima da história.
Knut Hamsun, Fome. Lisboa: Cavalo de Ferro, 2008. Tradução de Liliete Martins. Prefácio de Paul Auster ("A Arte da Fome"). Data da primeira publicação: 1890.
Inquéritos sobre Poesia e Literatura
segunda-feira, dezembro 15, 2008
sexta-feira, dezembro 12, 2008
Resposta (académica) à Academia Sueca - 'Northern Arts: The Breakthrough of Scandinavian Literature and Art, From Ibsen to Bergman'
But an imposing new critical work makes December an ideal month to turn the Engdahl controversy ironically on its head. Arnold Weinstein's just-published Northern Arts: The Breakthrough of Scandinavian Literature and Art, From Ibsen to Bergman (Princeton University Press) is the most ambitious American effort in memory to view Scandinavian culture whole. It unfolds as if the head of our National Book Awards had denounced Scandinavian culture as too hermetic to merit attention in the United States. Almost in reply to such an imagined slight, Weinstein celebrates his subject for projecting a globally influential ethos that transcends any role as merely an occasional producer of world-class artists.
Weinstein, a professor of comparative literature at Brown University, is an American from Memphis, so he can't be accused of jingoistic special pleading (though his acknowledgments charmingly merge his love for Scandinavian culture with that for his Swedish wife, Ann Cathrine Berntson). While you might think that a scholar bent on special pleading for a culture's artistic accomplishment is living in a doll's house if he believes scholarship can persuade the masses, Northern Arts aptly raises questions at the crossroads of the cosmopolitan and provincial.
Weinstein's overriding aim is to undermine any image of Scandinavian literature and art as insular or peripheral. He brims with appreciation for "the nonobvious sensuousness of the North, the vibrancy, vitality, and occasional madness and lunacy that are deeply but securely lodged underneath the stolid Scandinavian manner". [...]»
O texto completo de Carlin Romano aqui.
Arte e Singularização
V. Chklovski. "A arte como processo", in Tzvetan Todorov. Teoria da Literatura - I. Textos dos formalistas russos. Lisboa: Edições 70, 1999 (1.ª edição Théorie de la Littérature, 1965)
Breve apontamento sobre a "seriedade" (Quadratura do Círculo)
quarta-feira, dezembro 10, 2008
Symposium
terça-feira, dezembro 09, 2008
Homens e vermes. A Febre, de Le Clézio
...nunca, não, nunca se saberá verdadeiramente até
"A febre", "O dia em que Beaumont travou conhecimento com a sua dor", "Parece-me que o barco se dirige para a ilha", "Atrás", "O homem que anda", "Martin", "O mundo está vivo", "Então poderei encontrar a paz e o sono" e "Um dia de velhice" fazem parte de uma obra que Jean-Marie Gustave Le Clézio, distinguido com o Prémio Nobel da Literatura 2008, publicou em 1965 (tit. orig. La Fièvre) e que a Ulisseia editou no mês passado, com tradução de Liberto Cruz. Se o modo clássico de narrar se define por um princípio de coerência a que por vezes se chama 'aristotélico', princípio segundo o qual as histórias bem contadas têm princípio, meio e fim, as 'histórias de loucura' reunidas em A Febre são, exactamente, narrativas que negam a noção clássica de bem contar. Este traço parece, no entanto, decorrer de aspectos da 'vida imitada', e não tanto, ou apenas secundariamente, de uma opção estética (do mesmo modo, é improvável uma apreciação meramente estética de "experiências" como o nouveau roman; nestas experiências literárias, associadas a um período em que a palavra "Deus" foi banida do vocabulário de certa filosofia, não deixa de estar em causa, quase freudianamente falando, um certo mal-estar).
Escrita que pretende descrever a alucinação, a subversão do real - escrita que procura dizer tudo o que, como a dor, parece escapar à possibilidade de comunicação -, a escrita de Le Clézio atinge também, em certos momentos, a clareza das descrições precisas e exactas. Um exemplo perfeito é, a meu ver, "Martin", a história, em tom kafkiano, de uma 'metamorfose sem transformação', em que a possibilidade de compreender realmente a existência decorre da percepção de uma semelhança essencial: a semelhança entre o ser humano e um animal que se enrola sobre si mesmo para proteger «a vida palpitante» (p. 149).
Referência das páginas: A Febre, Lisboa: Editora Ulisseia, 2008.
segunda-feira, dezembro 08, 2008
'Palavras de fósforo' (uma definição de poesia?)
J. M. G. le Clézio, "O dia em que Beaumont travou conhecimento com a sua dor".
Excerto de uma das 'nove histórias de loucura' incluídas em A Febre (Lisboa: Editora Ulisseia, 2008. Tradução de Liberto Cruz. 1.ª edição - Paris: Gallimard, 1965).
domingo, dezembro 07, 2008
O berço
Tu estás em mim como eu estive no berço
como a árvore sob a sua crosta
como o navio no fundo do mar
Mário Cesariny, Pena Capital.
quinta-feira, dezembro 04, 2008
A felicidade não tem história. 'A Viagem do Elefante'
Na passagem que abre este post, Saramago, fazendo alusão às primeiras palavras do romance Anna Karénina, apresenta uma definição exacta do seu livro mais recente: este livro é a história de um elefante infeliz, porque só os (elefantes) infelizes têm uma história (a Poética de Aristóteles diz, sobre as pessoas, uma coisa parecida por outras palavras...). Classificar o livro como "romance" é ir de encontro à classificação do autor, que, no programa Pessoal...e Transmissível e noutros lugares, defendeu antes a etiqueta "conto longo" (José Saramago parece aliás dar-se mal com certas teorizações sobre o fenómeno literário. Em tempos, afirmou que a distinção entre narrador e autor carecia de fundamento. Segundo relatos de quem estava presente - em Coimbra, creio -, alguns professores de Literatura e de Teoria da Literatura sentiram-se incomodados).
Como um membro da caravana a quem coube a tarefa de transformar a história (quase épica) de Salomão em Literatura, o narrador/autor acompanha o que acontece, mas, porque está especialmente atento ao funcionamento das palavras (cf. p. 84, p. 155), não dá pistas conclusivas que permitam, por exemplo, asseverar que aquele elefante representa uma pessoa (e que o romance é uma descrição fatalista da existência, um pouco à Ricardo Reis). Podemos falar do romance deste modo, e considerar que a viagem é, como sempre, metáfora de um caminho que é o da própria vida, mas não é Saramago que o determina. Como os humanos, Salomão está sujeito à lei da vida, ou seja, à lei que introduz uma curta distância entre o triunfo e o olvido, mas não deixa de ser um elefante cujos dejectos ofendem o olfacto delicado do arquiduque. De certo modo, é como se a narrativa, porque é feita de palavras (tudo o que temos), fosse apenas o início de uma conversação (p. 84), uma conversação sobre o sentido, algo que, como a própria literatura, talvez se confunda com a "eternidade".
(Referência das páginas: edição da Caminho)